Osvaldo Júnior: Alegria sem vacina e prevenção dura pouco!

Depois de algumas doses, muitos ficaram alegres e já acreditavam que nem máscaras precisariam usar, que poderiam deixar de lavar as mãos com mais frequência e até largar o álcool em gel e o distanciamento social.
"Com vacinas é possível resgatar os abraços e a segurança sanitária".

Mas que loucura esta nação!
Não é tentar o suicídio
Querer andar na contramão?
Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem? […]
Não sei se tudo vai arder
Como algum líquido inflamável
O que mais pode acontecer
Num país pobre e miserável?
E ainda pode se encontrar
Quem acredite no futuro

Titãs

 

Quando criança, muito escutei, no dia a dia, que “alegria de pobre dura pouco”. Tal ideia, ainda comum, relaciona um sentimento, uma temporalidade e uma classe social, como se, em outro contexto econômico favorável, estar alegre fosse mais perene. Hoje, percebo que podemos fazer uma analogia com a atual situação sanitária do país, o qual enfrenta, novamente, um aumento exponencial dos casos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Só que agora estamos em uma situação na qual pobres e ricos podem estar inseridos e serem afetados. A doença é igualitária, atinge a todos (as), embora seus efeitos e possibilidades de enfrentamento sejam díspares. O fato é que, com a licença poética, sem vacina e prevenção não haverá salvação!

O clamor pela vacina invadiu muitas redes sociais e marcou presença nos discursos de diversas pessoas no cotidiano. É claro que, como em outras ocasiões, também surgiu o pessoal “do contra”. Mas, neste caso, ser “do contra” não envolve uma simples ideologia/posicionamento, mas uma atitude em defesa da morte consentida e calculada, o que poderia nos levar (e levou) a um genocídio administrado pelo Estado. Em 2020, o número de mortos se ampliou sem um “remédio” que pudesse nos conceder uma trégua para uma pandemia que parou o mundo e nos obrigou a ter um ethos diferente.

Não foi de repente que as vacinas chegaram. Pelo contrário, elas foram fruto do trabalho árduo de pesquisadores (as) que estão em nossas universidades/institutos buscando prolongar a vida ou a esta conceder abundância. O Sistema Único de Saúde provou que, mesmo sendo sucateado por autoridades “competentes”, pode melhorar a situação sanitária do país e os índices epidemiológicos.

Depois de algumas doses, muitos ficaram alegres e já acreditavam que nem máscaras precisariam usar, que poderiam deixar de lavar as mãos com mais frequência e até largar o álcool em gel e o distanciamento social. As aglomerações para motivos banais (e muito banais mesmo!) estão nos levando para uma nova onda que poderia ser evitada se seguíssemos o que a comunidade científica nos diz em diversos veículos midiáticos, sejam eles impressos, radiofônicos, digitais etc.

Se não fossem as vacinas, as TVs que compramos em inúmeras prestações nas Americanas ou no Magazine Luiza estariam a anunciar, mais uma vez, que a força mortífera da pandemia ganhou fôlego, ou melhor, que “nós” alimentamos esse crescimento.

“A pandemia não veio, como bem assinalou Ailton Krenak, para nos ensinar nada. Veio para matar humanos em virtude de ‘nossas’ ações predatórias para com a Terra”.

No início, lembro que muitos falavam que não adiantava “nada” vacinar adultos e preterir adolescentes e crianças. Hoje, as vacinas estão sobrando e medidas legais/administrativas surgem para que elas não vençam onde estão guardadas esperando os braços daqueles que preferem acreditar nas fake news alimentadas a todo instante por diversos grupos que lucram com a manipulação de imagens e informações. Os artifícios, de tão loucos, chegam a ser anedóticos, mas apresentam, em seu bojo, um cálculo sobre a vida e a morte da população. Em outras palavras, são necropolíticos.

De fato, é preciso ressuscitar Freud para tentar nos ajudar a entender o Brasil. Em um país no qual é possível encontrar gente que diz serem as armas necessárias para manter a vida e que vacinas a destroem, a Psicanálise precisa de uma primazia. Não dá para compreender esse antagonismo louco, deliberado e beligerante em favor da “indesejada das gentes”.

A questão sanitária não pode ser guiada por opiniões, pois estas estão nos levando a alargar os gastos com uma doença cujos efeitos destrutivos poderiam ser menores ou já estarem próximos do fim se tivéssemos sido todos (as) educados (as) na perspectiva do que Edgar Morin chamou de simbiosofia, uma aprendizagem e uma sabedoria práticas que levam à harmonia terrestre entre as espécies que coabitam o planeta.

A pandemia não veio, como bem assinalou Ailton Krenak, para nos ensinar nada. Veio para matar humanos em virtude de “nossas” ações predatórias para com a Terra. A vacina é um caminho para manter-nos vivos e plugados a uma interpretação crítico-reflexiva a respeito do que está acontecendo com o meio ambiente. Sem ela, repito, não haverá salvação.

Cada vez mais vamos necessitar do que a filósofa Marcia Tiburi chamou de “filosofia prática”, capaz de nos convidar e fazer exercer a alteridade, uma categoria ético-política de integração ao nosso viés gregário. Mais do que isso, precisamos erguer os braços, mesmos que os efeitos colaterais estejam presentes, porque eles são passageiros, e alimentar o discurso de que as vacinas podem nos levar ao “normal” que tanto desejamos. Não podemos banalizar a pandemia, visto que seus efeitos, para além da questão econômica, fizeram com que nossos irmãos fossem para um outro plano espiritual.

Com vacinas é possível resgatar os abraços e a segurança sanitária. Ainda bem que “há-braSUS” neste país. Sem ele, certamente, talvez nem eu estivesse escrevendo esta mensagem provocativa. Agora, o que não devemos é alimentar o negacionismo que vem invadindo a vida cotidiana e provocando cataclismas, pois ele é uma marca da barbárie que também devemos evitar a todo custo.

Osvaldo Alves de Jesus Júnior é amante das letras e das narrativas. É formado em Letras Vernáculas e Pedagogia, tendo pós-graduação em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia do Ensino Superior, Psicopedagogia Clínico-Institucional e Gênero e Sexualidade na Educação. Em 2018, publicou seu primeiro livro de crônicas, Fragmentos sinestésicos. Em 2019, lançou An…danças: facetas cotidianas, obra que contém prefácio da filósofa Marcia Tiburi. No final de 2021, publicará BNCC: que axé ela tem? Participa, constantemente, de antologias literárias.

_____

O conteúdo veiculado na sessão Maria Bonita – Espaço Colaborativo é de inteira responsabilidade de seu autor, não representando, necessariamente, o ponto de vista de Retratos e Fatos.

Compartilhe