13 de janeiro de 2025, segundo anunciam alguns veículos midiáticos brasileiros, foi o dia escolhido pelo presidente Lula para sancionar uma lei que proibirá os (des)usos de aparelhos celulares nas salas de aula, salvo em casos de necessidade pedagógica. A notícia vem sendo divulgada em tons idílicos e salvacionista, como se estivéssemos diante de uma efeméride. Estrategicamente, escolheu-se uma data que remete a um símbolo-número partidário. Para alguns, a medida traz contornos alvissareiros; outros, na contramão, defendem que a norma terá pouco impacto dentro de uma instituição responsável pelo desenvolvimento da subjetividade humana.
Quem é professor(a) e, diariamente, lida para tentar atrair a atenção de estudantes nos processos de mediação dos saberes eleitos como formativos, sabe o quanto o celular, tal como outros dispositivos que integram nosso vasto cotidiano, traz benefícios e inúmeros desafios em uma sociedade na qual as dificuldades para desenvolver, de forma ética, íntegra e crítica, a competência para lidar com as tecnologias convivem conosco há bastante tempo.
O célere avançar do mundo em rede nos leva a crer que não há como deter a ‘invasão’ das tecnologias digitais e dos dispositivos/aparelhos que possibilitam seus contatos e reverberações. A tese dicotômica de Umberto Eco, a citar a existência de sujeitos integrados e apocalípticos, nos impulsiona não a temer, mas a pensar em contextos pedagógicos de usos sadios.
A escola e toda sociedade passaram a usufruir dos aparelhos celulares com maior efervescência durante o cataclisma pandêmico da Covid-19. De lá para cá, lutou-se para se realizar um processo inverso, de desapego, um desmame árduo para crianças e adolescentes que nasceram em meio a telas, gadgets e conexões em redes de um mundo ubíquo.
Muitos(as) docentes estão felizes com a notícia e pretendem celebrá-la em jornadas pedagógicas. Seja pública ou particular, pensam que não terão mais que temer o “fulano, guarde o celular”, com o qual muitos(as) respondiam com intenso desprezo, por vezes fúria a resvalar em violência física. A sensação de alívio é esperada por aqueles(as) que povoam seus corredores escolares. O desejo por um lenitivo é, portanto, voraz e persistente.
Em toda proibição, todavia, existem insurgências e subversões. Há tempos, sabemos que, onde reina o poder, existem resistências a questionar dinâmicas instituídas. No caso em comento, estamos diante da situação descrita no Mito de Sísifo. Empurraremos uma pedra e ela, infelizmente, voltará a nos atormentar. Assim, tratar-se-á de erguer um novo vilão.
O celular vem sendo concebido como um algoz, por seus abusos provocarem uma série de patologias que interferem na vida pessoal, educacional e social dos sujeitos. Uma leitura atenta d’A geração ansiosa nos deixa atônitos. Todavia, a eliminação de tais aparelhos das salas de aula poderá não refazer o modus operandi que muitos(as) docentes anseiam. Novamente, na história educacional, atacam-se as vestes visíveis de um problema, e não suas raízes.
Há pouco tempo, a Unesco divulgou um estudo comparativo do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), trazendo a lume resultados diferentes, em virtude dos usos ao aparelho celular. Como de costume, as notícias ganharam vieses sensacionalistas e, mais uma vez, consoante adágio popular, ‘tentou-se tapar o sol com a peneira’, pois questões estruturais que envolvem o tema foram suprimidas, como se não fosse necessário debatê-las.
Será que estamos preparados(as) para crises de abstinência? Será que teremos mais atenção de nossos(as) estudantes? Ou será mais uma lei de proibição em um período escolar, porquanto, em casa, há relatos de usos que ultrapassam mais de quatorze horas? Ou, para ser um tanto quanto poético, “será só imaginação, será que nada vai acontecer? Será que tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer?”. O futuro, sempre incerto, é quem dirá…
Para quem não foi educado, em várias instâncias e instituições, a usar dispositivos de redes e aparelhos celulares com cautela, proficiência crítica e, até mesmo, sabedoria, de nada adianta mais uma proibição. Fico pensando quando o ‘uso pedagógico’ for necessário na sala, imaginando, ainda, que isso ocorrerá na primeira aula do dia. As demais poderão ficar comprometidas com um vício alimentado fora da escola e, diga-se de passagem, a todo instante.
A mudança deve, sim, começar. Pode parecer romantismo piegas ser a favor do uso do celular na escola. Não é essa, todavia, a intenção deste texto. Penso que o maniqueísmo com o qual muitos(as) adornam o debate não nos ajuda a avançar. Mais do que isso, advogo que a escola está, algo comum na seara educacional, sendo convocada a ‘resolver’ um problema que não criou, como se tivesse poderes mágicos para alterar a cultura, atualmente atravessada por problemas que se recrudesceram por uma série de fatores estruturais.
A sala de aula precisa mudar. Esta premissa é antiga e urgente. De fato, a escola, um ecossistema mais amplo, não pode continuar sendo a mesma. Todavia, eleger o celular como vilão não trará o ‘sucesso’ que muitos(as) anseiam. É uma situação paradoxal: as inteligências artificiais se aperfeiçoam, os dispositivos se tornam cada vez mais convergentes e nos deixam mais perplexos; por outro lado, tentam impor às unidades educacionais um ‘fechar-se’ ao que não se consegue resolver por outras veredas. Algo do qual não vejo vieses auspiciosos.
PROFESSOR OSVALDO ALVES DE JESUS JÚNIOR é amante das letras e das narrativas. É formado em Letras Vernáculas e Pedagogia, tendo pós-graduação em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia do Ensino Superior, Psicopedagogia Clínico-Institucional, e Gênero e Sexualidade na Educação. Em 2018, publicou seu primeiro livro de crônicas, Fragmentos sinestésicos. Em 2019, lançou An…danças: facetas cotidianas, obra que contém prefácio da filósofa Marcia Tiburi. Em 2021, publicou BNCC: que axé ela tem?, e em 2022 Eu não posso ler seu livro. Participa, constantemente, de antologias literárias.