Osvaldo Júnior: Diante do forró, a felicidade das Apaixonadas é inegociável

As Apaixonadas do Forró são um bloco junino formado somente por mulheres que desfilam pelas ruas de Ribeira do Pombal na primeira semana do mês que costuma trazer alegria e movimento aos corações dos nordestinos.
O bloco se configura, indubitavelmente, como patrimônio cultural imaterial que ratifica e exalta a identidade pombalense. Foto: Divulgação

Só pra te ver
Já andei tantas léguas de saudade
Vivi em busca da felicidade
Fazendo tudo pra não te perder.

Flávio José

 

Muito já se falou, em distintos lugares e áreas do conhecimento humano, a respeito da felicidade, um assunto-fenômeno diante do qual a teoria pouco vale, tendo relevância e proeminência as práticas que a contornam e concretizam. Paulo Coelho dizia se tratar de uma bênção-conquista diante do milagre da vida. Outros tantos cantores e filósofos a citam em seus contextos de efemeridade. Nas Apaixonadas do Forró, parece-me que se tem a vereda certeira: gente que caminha pelas ruas, festivamente, encantando a vida, dançando e cantando em uma alquimia capaz de captar a atenção de qualquer um.

As Apaixonadas do Forró são um bloco junino formado somente por mulheres que desfilam pelas ruas de Ribeira do Pombal na primeira semana do mês que costuma trazer alegria e movimento aos corações dos nordestinos. Adornadas com um vestido de simbologia marcante, as singularidades femininas se coletivizam e aproveitam o domingo para festejar, celebrar a existência, a alegria de estar juntas e as delícias de boas músicas animadas por um ritmo que não costuma deixar ninguém de fora.

Osvaldo Júnior: “Quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai”. Foto: Divulgação

O forró é patrimônio cultural brasileiro e, quando amalgamado à energia e aos corpos femininos, torna mais sublime os passos de uma das danças tradicionais nordestinas cujas origens remontam ao século XIX. Símbolo de uma das regiões mais importantes do país, por toda sua história, foi celebrado na voz de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e de outros(as) cantores(as) que ergueram fogueiras e incendiaram tantos corações por onde passaram.

Em 2025, foi a segunda vez que participei, na condição de admirador, desse bloco junino. Penso que ainda preciso de mais tempo e contato direto para captar o quanto a liberdade e o inesperado imanentes ao bloco adornam o domingo de magia, pois os multifacetados sorrisos reverberam nos rostos femininos como se aquela experiência, por si só, já sinalizasse que vale a pena viver e compartilhar com outras pessoas os momentos alegres capazes de nos revigorar das tristezas mesquinhas e de algumas cenas pungentes que elas provocam.

Adornadas com um vestido de simbologia marcante, as singularidades femininas se coletivizam e aproveitam o domingo para festejar, celebrar a existência, a alegria de estar juntas e as delícias de boas músicas. Foto: Divulgação

No bloco, aguardado e preparado durante todo ano, as mulheres se lançam, se entregam, se divertem, sem medo das câmeras dispostas nos celulares e outros dispositivos da imprensa. Afinal, não marcam presença em um reality show, mas em um dia-instante que abre mão de qualquer receio. É preciso estar ali sem medo, pois a felicidade costuma ser sorrateira e, por vezes, escorrer pelas mãos. O tempo é fugidio. Por isso, aproveitar cada momento é uma filosofia mobilizadora na vida daquelas que, arduamente, trabalham em demasia: dentro de casa, fora dela e em outros tantos lugares.

Trata-se de um sonho abensonhado por mulheres, tecido com mulheres e para mulheres. Foto: Divulgação

É mágico o poder do símbolo cultural. A materialidade é fácil de ser definida, observada, analisada e fotografada, o que não acontece com um fenômeno vital que sempre vai além de qualquer consideração. Ao subir no trio e observar a interação entre/com mulheres, tem-se a certeza de que o consórcio felicidade-liberdade é um poderoso caminho/lenitivo para se refazer muitas rotas que se encontram áridas ou com escasso vigor.

Dos vestidos aos laços de fita, penteados e adornos em diversificados painéis que atravessam todas as idades possíveis acima dos 18 anos, todo colorido emana mensagens de deleite, como se fosse, ali, o momento idílico de celebração do poder daquelas que geram e ramificam essa vida “besta” descrita, ironicamente, pelo poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.

Gente que caminha pelas ruas, festivamente, encantando a vida, dançando e cantando em uma alquimia capaz de captar a atenção de qualquer um. Foto: Divulgação

Trata-se de um sonho abensonhado por mulheres, tecido com mulheres e para mulheres que, diante da energia mobilizadora do forró, sabem desfilar na avenida revelando o poder daquelas em cujo ventre a vida se (re)faz. A sensação-imagem que fica, mais uma vez, é a da alegria como fina-estampa, a resvalar em um convite ao encontro: mulheres apaixonadas, uni-vos! E o bloco é a prova cabal de que a junção de mulheres para organizar, festejar e palmilhar pelas avenidas da urbe é um caminho fecundo e transformador. Talvez seja por isso que, mesmo distante e movidas pela saudade, muitas percorrem tantas léguas em busca da felicidade existente antes e, principalmente, no dia do desfile.

O bloco necessita apresentar trajetória longeva. Já são mais de duas décadas de existência e o que nele se manifesta, com suas cores, sabores e performances, revela que “quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai”. Será profícuo rever, por anos a fio, cenas de paixão e sensibilidade de que tanto o mundo precisa. Embaladas no forró, anseio que as Apaixonadas continuem a reconfigurar os cenários pombalenses, adornando-os de feixes luminosos e generativos, pois o bloco se configura, indubitavelmente, como patrimônio cultural imaterial que ratifica e exalta a identidade pombalense.


PROFESSOR OSVALDO ALVES DE JESUS JÚNIOR
 é amante das letras e das narrativas. É formado em Letras Vernáculas e Pedagogia, tendo pós-graduação em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia do Ensino Superior, Psicopedagogia Clínico-Institucional, e Gênero e Sexualidade na Educação. Em 2018, publicou seu primeiro livro de crônicas, Fragmentos sinestésicos. Em 2019, lançou An…danças: facetas cotidianas, obra que contém prefácio da filósofa Marcia Tiburi. Em 2021, publicou BNCC: que axé ela tem?, e em 2022 Eu não posso ler seu livro. Participa, constantemente, de antologias literárias.

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