Em 2020, três casos de suicídio foram registrados em Euclides da Cunha. À época, as ocorrências chocaram os moradores, mas nada comparado ao que aconteceria nos meses seguintes. Apenas entre janeiro e setembro de 2021, esse número trágico saltou para seis casos, o que causou uma grande perplexidade, dada à proximidade entre os eventos.
Se considerarmos que o número de suicídios de todo o ano de 2020 foi dobrado nos primeiros nove meses de 2021, a situação fica ainda mais preocupante. O último caso registrado foi o do jovem Willians Reis, 26 anos, encontrado morto em sua residência em um bairro do centro de Euclides da Cunha.
Diante do grande número de casos, algumas pessoas começaram a questionar se todos, de fato, foram suicídios. Isso porque, como não seria impossível, podia tratar-se, também, de casos de homicídios e a cena do crime montada para parecer um suicídio.
Para esclarecer, o site Retratos e Fatos entrevistou o escrivão da Polícia Civil do município, Marco Antônio Santos Abreu. Ele explicou os principais procedimentos realizados pela polícia e pela equipe técnica desde o momento em que tomam conhecimento do ocorrido até o fechamento do caso. Ele também relatou, do ponto de vista pessoal, mas também embasado pela experiência e vivência com o trabalho, o que pode estar por trás da decisão de uma pessoa em tirar a própria vida. O relato completo dessa entrevista você confere nas próximas linhas.
Retratos e Fatos – Qual o procedimento da Polícia Civil a partir do momento que vocês tomam conhecimento de um caso de suicídio?
Marco Antônio – A partir do momento que a gente recebe uma notícia, é deslocada uma equipe daqui, o delegado, escrivão, investigador e o pessoal do DPT para fazer o levantamento local, do fato, e chegando lá os peritos vão analisar a situação. Normalmente quando é suicídio já se comprova isso no local.
RF – E como vocês observam isso, na prática?
MA – Suicídios que tem ocorrido aqui geralmente são através de asfixia, enforcamento. Usa-se uma corda e tal, em qualquer lugar, e, em outros casos, às vezes envenenamento, e isso geralmente se comprova através de exames de corpo de delito. O corpo é trazido para cá para o IML, é coletado material das vítimas e encaminhado para laboratório, e, sendo constatado que no organismo existia substância tal, aí se comprova que realmente houve, foi um ato provocado pela própria pessoa. É comprovado o suicídio. Na grande maioria é suicídio.
RF – Em quais circunstâncias um caso é colocado em investigação, em andamento?
MA – Quando existe a dúvida se houve ou não o suicídio, se foi provocado ou não pela própria pessoa. Pode ser um suicídio, mas pode ser levado em consideração de outra forma, pode ser sido um homicídio, pode ter existido ali uma mudança de cena, essas coisas, mas cabe à polícia investigar e, como eu disse, através de exame de corpo e delito, investigação local, se analisa todos esses itens para se chegar à constatação de que houve ou não tal tipo de delito, se foi suicídio, se foi homicídio, se foi provocado.
RF – Ou seja, se na cena do crime for detectado algum elemento que possa indicar que não foi um suicídio, mas um homicídio, nesse caso, o caso prossegue em investigação.
MA – Exatamente. Há casos em que é necessário uma investigação mais aprofundada, estudo. Além do DPT, uma entrevista entre as pessoas, testemunhas, local, familiares da vítima para saber se a vítima já tinha essa pretensão, o estudo do passado da vítima para saber se já existia a pretensão de tirar a própria vida ou se existia alguém que tivesse algum motivo para estar se aproveitando da oportunidade para poder tirar a vida e, de repente, forjar um possível suicídio.
RF – E isso é fácil de acontecer?
MA – É muito difícil, porque se tiver um trabalho bem feito pela perícia e pelos policiais civis, pela Polícia Civil pode se chegar à conclusão se houve ou não um homicídio ou se foi suicídio.
RF – Essa parte de conversar com familiares, parentes da vítima para saber se existia alguma perseguição, algum dado, por exemplo, em todos os casos de suicídio, esse procedimento é executado, independente de como está a cena do crime, para poder descartar as possibilidades de ser um homicídio, por exemplo?
MA – Sim, quando existe a dúvida se houve ou não o homicídio, e mesmo sem a dúvida, suicídio confirmado tem que se concluir o procedimento e encaminhar para o Ministério Público a causa, o que levou a pessoa a cometer o suicídio, embora tenha sido a própria vida. Mas você tem que justificar para o Ministério Público, e para isso a gente vai ouvir, vai juntar os laudos local, o laudo do corpo e delito e as oitivas das pessoas que conheciam a vítima, que tenham alguma informação de relevância para concluir o procedimento.
RF – Em 2021 explodiu o número de casos, nesse curto intervalo de tempo.
MA – Houve uma incidência grande de casos de suicídios aqui na região.
RF – Destes casos, tem algum que ainda está em investigação ou todos foram consumados como suicídio?
MA – A grande maioria já foi constatado que houve realmente, foi suicídio. Aqueles que eu tive conhecimento, dois foram questão passional, de pessoas que por uma desilusão amorosa acabou tirando a própria vida; outros foram questão pessoal, desse tipo, mas todos já definidos, sem haver a dúvida que tenha ou não sido suicídio.
RF – Mas, poderia afirmar que não existe mais nenhum caso sendo investigado ou ainda existe algum em Euclides da Cunha?
MA – Não, não existe. Daqui de Euclides da Cunha, todos os casos até então divulgados como suicídio foram comprovados.
RF – Na sua opinião e levando em consideração a sua experiência de trabalho, o que você tem observado a respeito desse crescimento tão grande de suicídios em Euclides da Cunha?
MA – Existem muitas coisas hoje em dia. Com essa evolução tecnológica, de facilidade que você tem hoje de informação, de WhatsApp, de Facebook, as pessoas se deixam levar por muitas coisas, por vaidades, às vezes até distanciamento da palavra de Deus, falta de amor próprio. Essas coisas eu acredito que levem algumas pessoas a tomarem atitudes tão extremas, de tirar a própria vida. É falta de amor próprio. Eu entendo dessa forma.
RF – Fala-se muito em observar os sinais. Para você que trabalha com esses casos diretamente, o que você percebe que é possível se fazer? Será que realmente as pessoas não estão percebendo os sinais? Essas pessoas que cometeram suicídio, será que elas demonstraram algum sinal de que poderia vir a cometer esse ato? Nesses relatos de trabalho que vocês ouvem, conversar com familiares para poder investigar o que, de fato, aconteceu, o que você tem percebido? Com base nas informações que a polícia coleta, já tinham sinais de que isso aconteceria?
MA – Em uma grande parte, sim. As pessoas que conviviam com essas vítimas geralmente comentam da fraqueza, do fato de se desiludir, no caso de mortes por desilusão amorosa, percebe-se que geralmente os familiares comentam quando são ouvidos aqui. “Ah, ele passou por um problema de depressão por ter sido abandonado pela parceira, pela namorada, pelo companheiro e de repente resolveu tirar a própria vida”, basicamente isso. Outros são por questão da depressão, a doença depressão, que é hoje, cientificamente, um dos maiores males que matam no mundo; as pessoas se deprimem e acabam tirando a própria vida.
RF – A gente pode afirmar que na maioria dos casos de suicídio em Euclides da Cunha, a depressão estava associada, esse é um dado oficial da polícia?
MA – Não, não, é minha opinião. Pela experiência que eu tenho, estudos e pelas informações que obtivemos dos familiares e de outras pessoas, foi basicamente isso, há uma desilusão, questão passional e, na outra parte, seria depressão.