O título deste texto é, um tanto quanto, ‘óbvio’. Em uma linguagem mais técnica, pode-se dizer que se trata de um truísmo, uma evidência. Por estarmos em fevereiro, mês no qual muitas redes educacionais retornaram às aulas, nada melhor do que pensar na azáfama dos movimentos estudantis pelas ruas em direção a um espaço formal de ensino que os(as) apresentará (ou deveria) uma outra visão da existência e possibilidades de caminhos futuros por meio do acesso aos conhecimentos produzidos e acumulados pelos seres humanos em suas trajetórias.
Quem é professor(a) sabe o quanto o microcosmo da sala de aula é complexo e multifacetado, porque recebe múltiplas subjetividades que se plasmam e interconectam no cotidiano escolar. No transcorrer das horas, a sensação é a de que tal complexidade se amplia em uma proporção que vem gerando cansaço e possíveis paralizações laborativas.
É comum encontrar professores(as) defendendo a tese de que um curso de graduação fornece todas as soluções para problemas imanentes à rotina escolar. Assim, passados os anos desse percurso formativo, não procuram mais novidades e aperfeiçoamentos, como se já tivessem um manual contendo possíveis respostas para desafios do futuro. Todavia, a cada ano letivo, venho observando o quanto a sala de aula é inédita. A gente lê, estuda, observa outras realidades/experiências e realiza uma série de atos político-pedagógicos, mas quando chega ao chão do dia a dia, se depara com o acontecimental, com as novidades para as quais, por vezes, não sabemos como reagir, convidando-nos a olhar para o emaranhado da vida pulsante que nos conduz à busca pela reflexão a todo instante.
Heráclito de Éfeso, há muito tempo, disse-nos que ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio, uma vez que tanto o local quanto a pessoa já não são mais os mesmos, por serem afetados pela mudança que atravessa as subjetividades. Tal premissa do filósofo pré-socrático nos leva a pensar no equívoco de se controlar os fazeres próprios dos seres humanos. Destarte, quando vejo discursos em torno da escola na condição de ‘empresa’, fico a pensar no quanto a racionalidade instrumental desconsidera processos de mudança que afetam os indivíduos a todo instante, como se fosse possível gerenciar as pessoas para que elas possam aprender em um espaço-tempo sempre determinado pelo outro, por uma política pública que costuma não o escutar, bem como não contempla suas itinerâncias e idiossincrasias.
A escola pode até ser uma ‘empresa’ do ponto de vista administrativo, pois possui Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o famoso CNPJ. Entretanto, pedagogicamente, é impossível controlar ou ‘gerenciar’ as vidas que recebe, ou administrar, tecnicamente, as pessoas para que elas possam agir de um jeito valorado como ‘correto’, em um ritmo que atenderá às necessidades de um sistema caótico que concede primazia ao lucro, em detrimento de qualquer fim educacional.
Lembro-me que, inicialmente, estranhei quando, ainda no curso de mestrado em educação, deparei-me com vários textos da pesquisadora Alice Casimiro Lopes, nos quais defende a tese de que a escola é lugar do imponderável, mesmo com todas as dinâmicas reflexivas relacionadas aos atos éticos de planejamento. Dito isso, nota-se o quanto o currículo escolar é afetado por eventos acontecimentais que não se têm como prever em sua totalidade, alterando a rotina de uma instituição. Nesse sentido, esforços para padronizar os currículos e suas nuances, no campo da educação, provocam mais efeitos colaterais do que o alcance dos objetivos previamente formulados, porque as pessoas vivenciam experiências diferentes, em tempos-espaços distintos e não se relacionam com os saberes historicamente acumulados da mesma forma.
Essas ideias nos fazem perceber o quanto devemos, a todo instante, nos relacionar com os conhecimentos, em vieses reflexivos, abrangentes e intercríticos. Não serão as técnicas pragmáticas responsáveis pelas mudanças que tanto desejamos, mas a compreensão humana em torno do que fazemos, por que fazemos e de que forma poderemos alterar um determinado percurso educacional.
O ineditismo imanente à escola, todavia, não pode nos paralisar. Pelo contrário, é ele que alimenta as andanças cotidianas, mesmo que utópicas. É o desejo de saber o porquê, o afã para compreender o(s) outro(s) em sua(s) alteridade(s), lançando alternativas que possam auxiliar um indivíduo a se tornar humano por meio do acesso a perspectivas fecundas e emancipatórias.
Em outras palavras, é o ineditismo da escola que a impede de ser uma ‘empresa’ pedagogicamente falando. Se a tese neoliberal estivesse ‘correta’, o campo da pesquisa teórico-epistemológica estaria com os dias contados, visto que a ‘solução’ já foi erguida por meio de um axioma falacioso. Assim, não precisaríamos mais pesquisar, investigar os fenômenos e suas reverberações, pois já está posto o ‘caminho do sucesso’. Não obstante, a subjetividade humana é carregada de poros e atravessamentos. Quando tentamos ‘pegá-la’, costuma escorrer pelas mãos, ainda mais ao se aglutinar às vidas dos outros indivíduos que povoam as comunidades escolares.
O inédito escolar é, portanto, a prova cabal de que a diversidade humana necessita ser valorizada, jamais controlada. Destarte, as instituições de ensino nunca serão as mesmas, pois, a todo instante, as vidas que nela entram se ‘chocam’ com outras existências, provocando espanto, novos acontecimentos, curiosidade, beleza, inúmeros desafios e uma série de nuances que não sabemos, tampouco podemos, prever ou medir. Como bem diz o poeta, “há tanta vida lá fora, aqui dentro [das escolas] sempre, como uma onda no mar”.
PROFESSOR OSVALDO ALVES DE JESUS JÚNIOR é amante das letras e das narrativas. É formado em Letras Vernáculas e Pedagogia, tendo pós-graduação em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Metodologia do Ensino Superior, Psicopedagogia Clínico-Institucional, e Gênero e Sexualidade na Educação. Em 2018, publicou seu primeiro livro de crônicas, Fragmentos sinestésicos. Em 2019, lançou An…danças: facetas cotidianas, obra que contém prefácio da filósofa Marcia Tiburi. Em 2021, publicou BNCC: que axé ela tem?, e em 2022 Eu não posso ler seu livro. Participa, constantemente, de antologias literárias.