Saúde LGBTQIA+: O que falta aos profissionais ao combate do pre(conceito)?

Os profissionais de saúde estão preparados para compreender os anseios emergidos no processo saúde doença dessa comunidade? Estão despidos dos estereótipos e da exclusão social vivenciados historicamente ou ainda carregam consigo a armadura do preconceito concebido e reproduzido ao longo dos tempos?
"A comunidade LGBTQIA+ enfrenta diariamente muitas dificuldades de acesso aos serviços de saúde".

“Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem”. (Zygmunt Bauman)

É com esse pensamento de Baunam e rememorando que dia 29 do mês de janeiro tivemos uma alusão a visibilidade TRANS que abordaremos a temática proposta no decorrer desse texto.  Falar sobre a população LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexuais e o +, sinal inclusivo) tem sido na modernidade um dos maiores desafios literários, pois a população possui vivências peculiares que deixam de ser consideradas no processo saúde/doença.

Para além do enfrentamento do preconceito social e da exclusão sofrida, da violência e dos estereótipos, há o enfretamento diário dos elementos que determinam e condicionam a saúde da comunidade LGBTQIA+ que precisam ser vistos, analisados e superados. O enfretamento dessa senda preconceituosa se dá através de estudos e do conhecimento das causas, do entendimento da problemática e da análise peculiar da formação da sociedade e suas expressões sociais que influenciam nas características subjetivas de cada indivíduo.

É sabido que o SUS – Sistema Único de Saúde enfrenta desafios atuais que o colocam em uma ordem mercadológica e apesar de ser para todos, grupos minoritários como desta população continuam sendo marginalizados com a ausência de investimentos, da ampliação da rede de saúde e do enfrentamento das dificuldades de acesso e uso dos serviços.

Aqui podemos apontar aspectos da cidadania, fomentando a discussão crítica da realidade vivenciada por LGBTQIA+ e a qual nos faz pensar: os profissionais de saúde estão preparados para compreender os anseios emergidos no processo saúde doença dessa comunidade? Estão despidos dos estereótipos e da exclusão social vivenciados historicamente ou ainda carregam consigo a armadura do preconceito concebido e reproduzido ao longo dos tempos?

Abordar essa temática em tempos de retrocesso, privatizações, subfinanciamentos e sucateamento dos direitos sociais é um contributo valioso para justar o preconceito e conscientizar indivíduos, sendo sumariamente relevante abordar cada vez mais o assunto de forma que a sociedade compreenda tanto os efeitos da discriminação quanto de que forma podemos combatê-lo. A comunidade LGBTQIA+ enfrenta diariamente muitas dificuldades de acesso aos serviços de saúde, que vão desde a falta de atendimento especializado de muitos profissionais, perpassando pela ausência de investimentos e ampliação da rede de saúde, entre tantos outros.

Quando falamos em saúde para a população LGBTQIA+, nos reportamos à Política Nacional de Saúde LGBT, pois apesar de ser um divisor de água para as políticas de saúde em nosso país, torna-se também um marco histórico de reconhecimento que legitima e reconhece as demandas desta população.

“É preciso um olhar atento, uma acolhida qualificada e despida de convencionalismos, assim como a preparação desses profissionais”.

A preconização da Constituição Federal e a Carta dos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS, postula a equidade como um dos princípios que norteia o acesso aos atendimentos e as necessidades. Todavia, a saúde enquanto política pública hoje pode ser considerada como uma área estratégica para o desenvolvimento cultural, social e econômico, principalmente quando levamos em conta que a conjuntura do nosso mundo está marcada pela reestruturação e globalização do sistema capitalista, que emprega esta política como um dos elementos principais para a sustentação do desenvolvimento do status quo. Logo, frente a essa questão, apesar do acesso ser motivado pelas escrituras legais, o que vemos na prática diverge da teoria. Historicamente, é sabido que a luta da população LGBT pelo direito a saúde e sua visibilidade ganham reforços na década de 1980, quando o Ministério de Saúde passa a adotar estratégias de enfrentamento da epidemia da Aids/HIV em parceria com os movimentos sociais que defendiam o direito de grupos gays. A partir de então, foi ampliado o conjunto da política de acesso de maneira que os movimentos sociais pudessem formalizar parcerias dando a política um caráter transversal que englobou as áreas do Ministério da Saúde, como por exemplo, as relacionadas à produção do conhecimento, promoção e participação, assim como a atenção ao cuidado.

Notoriamente é visto que a política LGBT é formada por um conjunto de diretrizes que requerem ações planejadas, cujas metas sanitárias e sua efetivação necessitam do compromisso das instâncias governamentais, principalmente os conselhos de saúde, as secretarias estaduais e municipais e o próprio Ministério de Saúde, e afirmo: Euclides da Cunha/Ba não foge à regra. A trajetória histórica de lutas e movimentos não afirmam e não garantem o direito preconizado por lei; cada vez mais é imprescindível a soma de forças da sociedade civil junto ao Governo para que se haja o enfrentamento das iniquidades e o exercício do controle social e da democracia.

Combater a discriminação sofrida no enfrentamento do processo da transexualidade, por exemplo, é em nossa sociedade moderna uma luta diária e deve ser um compromisso ético político dos profissionais de saúde e de todas as instâncias do SUS, desde gestores aos agentes comunitários de saúde e tanto outros, respeitando as especificidades de gênero, geração, raça/etnia e práticas afetivas e sexuais de cada indivíduo.

Assim, em se tratando de atendimentos efetivados por profissionais de saúde, sejam eles assistentes sociais, médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros, devem estar atentos para as mais variadas reações em cadeia. Isso porque o enfrentamento do preconceito, da exclusão social, a lida com os estereótipos não é uma tarefa fácil e implica para os profissionais a visualização da existência de um processo de vulnerabilidade que culmina, muitas vezes, no adoecimento da população LGBT. Isso quer dizer que muitas vezes a forma como se cuida, a comunidade acaba a adoecendo ainda mais.  É preciso um olhar atento, uma acolhida qualificada e despida de convencionalismos, assim como a preparação desses profissionais para abraçar as necessidades desse público alvo e assim poder garantir o acesso aos princípios do SUS de forma eficaz e despida de (pre)conceitos.

 

Cátia Souza é assistente social, especialista em Gestão de Saúde Pública, MBA em Políticas Públicas Municipais, especialista em Educação – Gestão de Tutoria/EAD e especialista em Gestão Organizacional de Pessoas.

O conteúdo veiculado na sessão Maria Bonita – Espaço Colaborativo é de inteira responsabilidade de seu autor, não representando, necessariamente, o ponto de vista de Retratos e Fatos.

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