Novembro Azul: “o machismo é a principal barreira no combate ao câncer de próstata”.

Existe uma construção histórica e cultural da sociedade patriarcal, de que o autocuidado (ou cuidar da própria saúde) é uma qualidade feminina.
Acredito que a melhor maneira de se fazer promoção de saúde do homem é dialogarmos (nas campanhas, redes sociais, escolas, rádios, prefeituras, etc) sobre a necessidade de desconstruirmos certas crenças, culturalmente construídas e reforçadas sobre o ideal hegemônico do que é ser homem.

A campanha Novembro Azul tem como objetivo colocar em destaque a saúde do homem e, em especial, alertar sobre a importância de se diagnosticar precocemente o Câncer de Próstata, que, em 2020, levou a óbito 15.576 homens². Segundo os dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), 68.840 casos foram diagnosticados com essa doença¹. Os números demonstram a urgência de se tratar sobre esse problema grave de saúde pública, e nos convida a refletirmos sobre a necessidade de falarmos mais sobre a saúde do homem e o que esse tem feito (ou não tem feito, melhor dizendo) para cuidar de si.

Em 2011, o Instituto Lado a Lado iniciou a campanha novembro azul inspirado no movimento Australiano Movember; o chamado Moustache/November, que traduzindo significaria uma expressão do tipo: Bigode/Novembro¹. Com o apoio do Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a campanha Novembro Azul vem, cada vez mais, crescendo e se multiplicando por todo território nacional, tentando sensibilizar os homens a cuidarem de si, a buscarem pelo médico urologista, a realizarem exames periódicos, com o intuito de conscientizar sobre a importância de se prevenir e superar certos tabus e preconceitos construídos socialmente acerca do significado do que é ser homem em nossa sociedade.  Significado esse que se apresenta como uma barreira para que os homens construam uma cultura de cuidado de si.

No seu livro “Saúde mental, gênero e dispositivos”, Valeska Zanello, que é psicóloga clínica, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UNB), explica que existe uma construção histórica e cultural da sociedade patriarcal, de que o autocuidado (ou cuidar da própria saúde) é uma qualidade feminina, e que essa qualidade colocaria em xeque o “ser homem de verdade”³. Sou Psicólogo clínico há mais de 10 anos, e é notável que pouquíssimos homens buscam a psicoterapia, já que esse movimento de busca por apoio psicológico (autocuidado) reativa o medo de estarem vulneráveis frente ao outro, de se sentirem “fracos”, de que é preciso controlar mais as emoções, “tenho que ser forte”, “ser macho”.³

Não se cuidar é uma das características principais do machismo. Quem nunca ouviu  frases do tipo: “não tenho nada, sou forte”, tais comentários são, nada mais, nada menos, que afirmação da virilidade masculina, que, no fundo, se encontra muito adoecida, apesar de toda a nossa acessibilidade de informações disponíveis na internet. Quer dizer, o reconhecimento da própria vulnerabilidade humana não combina, segundo a lógica machista, com o ideal de virilidade, ideal esse transmitido transgeracionalmente, passado de pai pra filho, e que se apresenta como uma barreira no combate do Câncer de Próstata.

Acredito que a melhor maneira de se fazer promoção de saúde do homem é dialogarmos  (nas campanhas, redes sociais, escolas, rádios, prefeituras, etc) sobre a necessidade de desconstruirmos certas crenças, culturalmente construídas e reforçadas sobre o ideal hegemônico do que é ser homem.  É preciso compreender que o cuidar da saúde também é coisa de homem, que não se trata de ser forte, de ser inabalável, mas sim de ser humano, vulnerável ao adoecimento.

 

Túlio Almeida é psicólogo clínico, especialista em Saúde Mental Coletiva (FRB).

O conteúdo veiculado na sessão Maria Bonita – Espaço Colaborativo é de inteira responsabilidade de seu autor, não representando, necessariamente, o ponto de vista de Retratos e Fatos.

Compartilhe